domingo, 10 de janeiro de 2016

Será se é romance?

Nesse janeiro faz três anos que tive uma ideia prum romance. Anotei algumas epifanias e as guardei sem escrever nada. Nos últimos meses, topei com essa ideia mexendo em arquivos antigos enquanto testava o ótimo programa de escrita WriteMonkey. Seria um romance que eu gostaria muito de ler — principalmente se alguém se desse ao trabalho de escrevê-lo por mim. Acho que é um bom presságio de que a pessoa não enfrentará a desagradável sensação de começar a escrever um troço, dedicar uns quarenta e oito dias de trabalho relativamente árduo e, numa manhã qualquer, ler a história toda e pensar nossinhora que bagulho chato. Não que tenha acontecido comigo. Mais de uma vez? De jeito nenhum.

Mas desse romance eu gosto. Talvez por não ter escrito nada. A premissa me soa completa, o ambiente é Santa Catarina, os personagens parecem flexíveis o bastante pra acomodar as estripulias que eu gostaria que fizessem. Aliás, acho fascinante esse estágio ontológico dos personagens: revelam-se aos poucos, mostrando vícios de linguagem, habilidades manuais, interesses, qualidades, alguma psicose. Mas é tudo incipiente. Eu os vejo no curral, na casa, montados em tratores chegando à beira da estrada numa manhã úmida e nublada. Mas são como figuras 3D naquele momento do jogo em que os personagens esperam que você, o jogador, tome alguma ação que moverá a narrativa. Um algoritmo básico de animação mantém alguma vida no cenário — vento, ruídos de fundo, pequenos movimentos corporais dos personagens como trocar o peso de uma perna para a outra, suspirar, usar um objeto como uma vassoura ou um relógio só para matar o tempo. É assim que vejo os meus personagens na fazenda, à espera de uma série infinita de comandos que provavelmente levarei dez anos para executar.

Às vezes também visualizo aquela cena de Esqueceram de Mim, em que o Kevin quer simular uma festa em casa: bota um display do Michael Jordan em cima dum trenzinho que fica circulando pela sala e arma uma engenhoca com manequins que se mexem em resposta ao comando de cordas. Os objetos aparecem como sombras numa cortina, dando a ilusão de pessoas que conversam, dançam e andam pela sala ao som de uma musiquinha feliz de natal. Vejo meus personagens jantando porco, como sombras numa cozinha sem cortina. Mas na minha cena não há musiquinha feliz: só sons de talheres com vidro em segundo plano; em primeiro plano, ouço grilos, cigarras e uma ocasional coruja. Curiosamente, não chove.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

O mar

Tive o sonho mais estranho essa noite. Nele eu estava à beira-mar numa cidade que não é a minha cidade atual. Estava no calçadão ao lado de ...