quarta-feira, 27 de janeiro de 2016

Notas sobre férias

Nesse verão eu decidi fazer algo de diferente. Decidi ficar na minha casa, que não tem piscina, tomando meus bons cafés e aproveitando a trégua da chuva para observar com atenção os diferentes tons de azul do céu insular: a cor varia de acordo com a umidade e as finas camadas de nuvem que estão sempre por aqui. É um azul mais fraco e muito diferente do típico céu continental, que ainda me dá saudades ocasionais.


Tento ir à praia mas não dá certo: com a intenção de passar quatro horas lendo, tenho muita dificuldade para cravar na areia um guarda-sol e me sentar numa cadeira de plástico. Em poucos minutos aparece um casal arrastando quilos de tralha de praia. Primeiro montam uma barraca e várias cadeiras; logo chegam crianças e outros adultos que vão despejando seus pertences ao lado e embaixo do meu guarda-sol; montam outro guarda-sol e outras cadeiras. Todos falam alto em espanhol e parecem ter uma noção de espaço pessoal muito diferente daquela com a qual estou acostumado. Desmonto o meu guarda-sol, afasto minha cadeira em um metro e eles tomam a área na qual eu me sentava. Agem com uma naturalidade invejável. A maré sobe e engole a faixa de areia em poucos minutos.

Poucos dias depois, N. e eu subimos a serra para acampar durante um final de semana. Levo a barraca barata que comprara só para ver se esse contato um pouco (mas não muito) mais íntimo com a natureza é desejável, tolerável, viável. Logo percebo que esqueci em casa itens importantes como as lanternas de dínamo e outros cacarecos de acampamento, como talheres leves e uma imitação de canivete suíço, e lamento. Em Urubici, trato de providenciar uma lanterna para que naquela noite eu tenha por fim a chance de terminar de ler A divina paródia. Durmo muito fácil e acordo com os pés congelando às três da manhã para buscar um cobertor que ficou no carro. De manhã, está uns doze graus Celsius.






Urubici pouco mudou nos últimos dois anos. Um produtor de mel abriu uma loja na rodovia, algumas ruas foram asfaltadas, uma sorveteria fechou, inauguraram um Sesc bonito com alguns livros bons à vista e comida barata para almoço e jantar. O resto parece igual.






Urubici se anuncia num outdoor como “terra de belas paisagens” e isso é verdade. O município tem muitas cachoeiras, montanhas verdes, formações rochosas peculiares e ancestralíssimas, inscrições rupestres, cavernas, grutas etc. Fotografadas, essas paisagens dão ótimos cartões postais ou retratos para amigos e familiares. Vistas pessoalmente, se acoplam à rede neuronal do observador com uma adesividade que certamente só se afrouxará quando desgastada por processos biológicos mui corrosivos. Mas talvez por serem tão peculiares e distintas e memoráveis e observadas com tamanho deslumbre, não impressionam tanto na segunda visita.

Por isso, o que eu mais queria fazer era uma caminhada de nove quilômetros que começa e termina na SC-370 a aproximadamente dois quilômetros da Esquina, na localidade conhecida como Invernadouro, Invernadeiro ou algo assim:






Não é trilha, não há turistas nem comércios: é estrada de chão batido com pequenas propriedades rurais, animais domesticados, igrejinhas, vespas e duas pontes, uma para cada vez que se cruza o Rio Canoas.






Caminha-se esse trecho com tranquilidade em duas horas, incluindo tempo para parar, tomar
água e descansar na sombra e banhar-se no rio de água gelada mesmo nos dias mais quentes.







É uma área rural muito atrativa e quase chego a ter vontade de comprar um sítio (é barato), envelhecer e morrer por ali.





Também é um local onde se faz amizade com relativa facilidade. Este camarada, por exemplo, ficou muito contente e à vontade com a visita que recebeu.





Depois fui a São Paulo, onde visitei minha irmã que neste mês faz vinte anos, comprei 13 kg de livros na região central, vi uma cigana vestida com trapos cinzas fazendo um ritual com dois ramos de folhas verdes ao lado de um carro perto do Terminal Rodoviário do Tietê, comi num apertado restaurante japonês japonês mesmo da Liberdade que parecia cenário caótico do Takashi Miike, ganhei três ótimas e perigosíssimas facas dos meus sogros, jantei numa cantina italiana que parecia uma funilaria com camisetas de vários clubes de futebol penduradas no teto e uma foto do Sidney Magal na saída, cruzei a avenida Rebouças numa bicicleta do Itaú e por fim conheci o serviço do Uber no carro de uma senhora que, com muita habilidade e cortesia, dirigiu até o aeroporto de Guarulhos debaixo de uma tempestade tropical numa viagem muito mais confortável, rápida e barata do que uma viagem semelhante feita num táxi ou num ônibus.

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